O ARQUITETO DE PARIS
Charles Belfoure
Manet aproximou-se de uma das grandes janelas que davam para a rua Galilée e olhou para a rua por alguns momentos. Por fim, voltou-se e encarou Lucien, que se surpreendeu com a expressão grave no rosto do velho.
«Senhor Bernard, esta alteração destina-se a criar um esconderijo para um Judeu que está a ser perseguido pela Gestapo. Se, por acaso, eles vierem procurá-lo aqui, eu gostaria que ele se pudesse esconder num espaço indetectável, que a Gestapo nunca conseguisse descobrir. Para sua própria segurança, não lhe direi o seu nome. Mas o Reich quer prendê-lo para apurar o paradeiro da sua fortuna, que é considerável.»
Lucien estava estupefacto. «Você está doido? Quer esconder um Judeu?»
Um arquiteto de Paris com falta de dinheiro
Durante a Segunda Guerra Mundial, a ocupação de Paris pelas tropas nazis pesa sobre os habitantes da cidade. Não apenas sobre os judeus perseguidos pelo regime ariano, mas também sobre os restantes parisienses.
Lucien Bernard é um arquiteto parisiense e debate-se com dificuldades financeiras, por falta de trabalho. A sua prioridade é arranjar dinheiro para se manter, numa altura em que escasseiam os projetos para novas construções.
Assim, quando é abordado por um abastado cliente para criar certas «alterações» num apartamento, encara o projeto com todo o empenho e ambição. No entanto, as alterações encerram em si uma missão humanitária que em nada apela ao coração de Lucien.
Afinal, crescera numa família anti-semita, em que a palavra Judeu aparecia sempre seguida de um insulto. Por essa razão, o protagonista encara com alguma indiferença o que está acontecer a este povo, na sua própria cidade. Contudo, a avultada remuneração pelo trabalho encomendado é muito tentadora…
«Conseguia perceber pelos passos nervosos e o constante praguejar de Schlegel que estava a ficar nervoso. O oficial da Gestapo agarrou num pé-de-cabra e começou a arrancar os painéis das paredes. Estilhaçou cada um dos espelhos ornamentais, à espera de encontrar um esconderijo por trás. Havia tantp entulho espalhado pelo apartamento que era difícil movimentar-se.»
Charles Belfour, «O arquiteto de Paris»
A DESCIDA ÀS PROFUNDEZAS DA PAIXÃO
Conforme descreveu o escritor Malcolm Gladwell, este é um bonito e elegante registo de um caminho humano. Mais do que isso, um caminho inesperado e relutante de um homem comum. Rumo ao heroísmo.
De facto, é precisamente esse o encanto de «O arquiteto de Paris». Desde logo, Lucien é um homem embrenhado nas suas próprias necessidades. De certa maneira, chega a ser indiferente ao que se passa à sua volta. Ou seja, a segregação, as perseguições e mortes de judeus na cidade passam-lhe ao lado. Afinal, não lhe dizem respeito.
No entanto, a avultada proposta de um cliente rico interpela-o a envolver-se na proteção dos judeus. A contragosto, apenas por necessidade de dinheiro, Lucien embarca numa missão arriscada. Uma missão que vai mudar a vida de muitas pessoas. Inclusive a sua.
Com efeito, este é um livro que nos faz questionar as nossas convicções, e a nossa própria humanidade, O que faríamos no lugar de Lucien?
Inevitavelmente, identificamo-nos com o protagonista, no seu espectro de emoções e comportamentos. Possivelmente, também cada um de nós prefere manter-se indiferente à dor alheia que não nos diz respeito. No entanto, de igual forma, muito provavelmente, também salvaríamos alguém de bom grado. O mais difícil é apenas dar o primeiro passo.
Lucien é levado pelo dinheiro a dar esse passo. Contudo, a partir daí, é a sua humanidade que o move. Na nossa memória, retemos o desenrolar de acontecimentos no ambiente histórico da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, este é um livro bonito, ao mesmo tempo uma história romântica, e um thriller empolgante.
UMA HISTÓRIA DE FICÇÃO COM UM FUNDO DE VERDADE
O autor, Charles Belfour, já explicou em entrevistas que a história deste livro não se baseia em factos reais. No entanto, ela tem um fundo real, embora seja de outro tempo.
De facto, na Inglaterra do século XVI, o catolicismo foi proibido para dar lugar à religião protestante. Como sabemos, foi fundada pelo pai da Rainha Elisabete I, Henrique VIII. Contudo, muitos padres católicos continuaram a rezar missa em segredo. Em regra, faziam-no nas grandes mansões, no campo. No entanto, era preciso assegurar a sua segurança, caso houvesse uma denúncia. Assim, os carpinteiros da altura criavam esconderijos onde o padre poderia esconder-se.
A par disto, outra fonte de inspiração do autor foi a própria mãe, nascida na Polónia. Embora não fosse judia, a invasão do país pelas tropas nazis levou-a a um campo de concentração. Vivia-se a Segunda Guerra Mundial.
Por falar fluentemente alemão, foi transferida para a casa do construtor dos túneis de montanha. Precisamente, onde vieram a ser criados os primeiros mísseis da guerra. Deste modo, a ajuda do militar alemão que a enviou para a casa do construtor fez a diferença na sua vida. Na prática, salvou-a. Neste livro, o autor – ele próprio arquiteto – homenageia essa gentileza.
Afinal, um pequeno gesto pode mesmo salvar vidas.
«Heart, reluctant heroism and art blend together in this spine chilling page-turner.»
«A beautiful and elegant account of an ordinary man’s unexpected and reluctant descent into heroism during the Second World War.»
«A fascinating picture of Paris under the Occupation, with all its contradictions – the opulence and the fear.»