A GAIOLA DE OURO

Shirin Ebadi

«Pari era capaz de extrair o bom das coisas enquanto eu me atormentava sore este ou aquele problema. Procurava descontrair-me e oferecer-me um pouco de leveza. Quando volto a pensar nas coisas com que me preocupava tanto, – uma nota na escola, um litígio com os meus pais – , dou-me conta de que ela tinha razão. Aquela era a idade irrefletida. Muito em breve, «não pensar» tornar-se-ia impossível.

– Pensas demasiado, Shirin joon, é esse o teu problema. Não deves pensar, procura divertir-te – dizia-me.

– E como posso não pensar? – perguntava céptica.

– Não sei – era a sua resposta. Mas muitos pensamentos arruínam a pele! – e, a rir, passava-me a mão pelo rosto, para apagar rugas imaginárias.»

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Shirin Ebadi – Prémio Nobel da Paz
  • O percurso real de uma família, protagonista da história recente do Irão.

A PRIMEIRA MULHER ISLÂMICA A RECEBER O PRÉMIO NOBEL DA PAZ

A autora, Shirin Ebadi, foi a primeira mulher islâmica a receber o Prémio Nobel da Paz. Foi em 2003. Antes disso, foi também a primeira mulher a exercer o cargo de juíza no Irão, em 1975.

Contudo, esse estatuto veio a ser retirado com a instauração da República Islâmica do Irão, em 1979. O cargo passou a ser reservado aos homens. Deste modo, destituída das suas funções, Shirin Ebadi foi forçada a trabalhar num cargo menor. Mais tarde, acabou por pedir uma reforma antecipada. Assim sendo, passou a dedicar-se à escrita e ao ativismo.

De forma privada, optou por exercer advocacia. Mais do que isso, defendeu sempre os direitos das mulheres e das crianças, no regime extremista iraniano. Apesar das ameaças e de ter estado presa, nunca desistiu. Em consequência, o Prémio Nobel da Paz, que recebeu em 2003, veio reconhecer esse trabalho.

UMA SAGA FAMILIAR QUE ESPELHA A HISTÓRIA RECENTE DO IRÃO

O livro A gaiola de ouro é uma história verdadeira. De facto, a autora conta-a como forma de dar a conhecer ao mundo o que se passa no Irão.

Assim, esta e a história da família da sua melhor amiga, Pari, com quem cresceu. Por sua vez, cada um dos irmãos de Pari – Javad, Abbas e Ali – seguiu um caminho ideológico diferente. Ao seu modo, todos eles viveram, como considera a autora, numa gaiola dourada.

Javad é o comunista anti-regime. Por seu lado, Abbas é o general do regime do Xá. O mais jovem, Ali, é um fiel seguidor de Khomeini. Na prática, três visões inconciliáveis entre si, e que traduzem a história recente do Irão.

Mais do que isso, estas visões diferentes desfizeram a família e trouxeram a cada um dos irmãos um destino trágico, direta ou indiretamente às mãos do regime.

Através desta história de uma família iraniana, ficamos a saber que, até aos anos 80, o Irão era um país de mentalidade aberta. Pelo menos, na sua capital. Que o véu havia sido proibido nos anos 30, e que as mulheres eram livres para estudar e fazer as suas escolhas livremente, desde as roupas à profissão.

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«The Golden Cage is a powerful account of the intolerance and repression that has dogged Iran since the CIA-backed overthrow of Mossadegh. Ebadi interweaves her own experiences into the brothers’ stories.»

The Independent

«Riveting … this moving book is a monument in itself, commemorating friendship and the human spirit.»

The Times, UK

«Poignant memories… painfully real.»

Amnesty International

DA MONARQUIA À REPÚBLICA DO IRÃO

Conforme é descrito em A gaiola de ouro, a turbulência que abalou o Irão teve origem numa das suas riquezas: o petróleo.

De facto, a exploração petrolífera estava, desde há muito, entregue aos britânicos. Contudo, o Irão pouco beneficiava com esta sua riqueza natural. Quando, em 1951, foi eleito o primeiro Ministro Mossagedh, este decidiu afrontar o statu quo. Assim, pôs em marcha a nacionalização do petróleo, e a expulsão dos estrangeiros. A par disso, emergiu um governo autoritário. Em seguida, vieram os embargos e pressões internacionais que, inevitavelmente, desestabilizaram a população.

Com o apoio dos britânicos e norteamericanos, Mossadegh foi deposto. Em consequência, o Xá Mohammed Reza Pahlevi, que havia sido exilado em 1953, regressou ao poder.

Neste livro, tomamos ainda contacto com a Revolução Branca. Começara a nível interno e, em 1963, contou com o apoio dos Estados Unidos.

Seguiram-se reformas que afrontaram os poderes estabelecidos, nomeadamente o religioso, que até então tinha a seu cargo o ensino e era proprietário de muitas terras. Os protestos escalaram, alimentados pelos religiosos. Na sequência disso, o Xá optou por impor-se pela força… e a população revoltou-se.

Exigiam o fim da monarquia e a instauração de um regime republicano onde os seus direitos fossem restabelecidos. E deu-se então nova mudança de regime, com o poder entregue aos ayatollahs. No entanto, o povo iraniano não previu o que viria a seguir…. 

Em A gaiola de ouro, acompanhamos todos estes acontecimentos através da vivência da família, inclusive quando, em 1979, os ayatollahs chegaram ao poder.

A OPRESSÃO DA GAIOLA DE OURO

Com efeito, com o apoio dos Estados Unidos, tudo mudou no Irão, em 1979. Com o apoio da CIA, um golpe de estado derrubou a monarquia autocrática do Xá Reza Pahlevi.

Na gestão do país, passou a estar uma teocracia islâmica, comandada pelo ayatollah Khomeini. O fundamentalismo islâmico subiu, portanto, ao poder, mas mergulhou o país nas trevas do fanatismo religioso. Em suma, o novo regime representou um retrocesso nas liberdades e no modo de vida dos iranianos.

Desta forma, o Irão foi transformado numa República Islâmica. Assim sendo, as liberdades fundamentais dos cidadãos, em particular das mulheres, sofreram sérias limitações.

Com esta viragem política, surgiram novas imposições aos cidadãos e cidadãs. Entre elas, a utilização do véu ou do chador para as mulheres.  Mais do que isso, surgiram limitações à liberdade, perseguições e execuções sumárias dos supostos opositores do regime.

A própria autora, Shirin Ebadi, foi vítima dessa opressão. Chegou a estar presa, recebeu ameaças de morte e, por fim, foi obrigada a fechar o seu escritório de advocacia. Em 2009, por recear pela sua segurança no país natal, acabou por exilar-se em Inglaterra, onde ainda reside. O mesmo país adotado pela sua grande amiga, Pari, protagonista da história que conta em A Gaiola de Ouro.

DAR VOZ À LIBERDADE

Agora radicada em Inglaterra, Shirin Ebadi continua a ser uma voz ativa na denúncia dos abusos que ocorrem no seu país natal. Uma voz que se junta à pressão internacional para que o Irão volte a ser uma nação justa e respeitadora das liberdades dos seus cidadãos.

A escrita é a sua forma de protesto, conforme a autora refere no livro. Para justificar a sua inspiração para escrever este e outros livros, cita o sociólogo Ali Shariati, «um dos principais teóricos do Islão, morto em circunstâncias misteriosas um ano antes da Revolução Islâmica.» Algum tempo antes, terá dito que «se não podeis eliminar a injustiça, pelo menos contai-a a todos». Shirin Ebadi segue-lhe o conselho.

A par das entrevistas e palestras, a escrita continua a ser uma forma de Shirin Ebadi passar essa mensagem. Além de A gaiola de ouro, e entre outras publicações, a autora escreveu ainda Iran awakening e, mais recentemente, Until we are free.

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