UMA ESTADIA COM REQUINTE
A Quinta das Lágrimas Hotel & Spa é um requintado hotel boutique em Coimbra, rodeado por românticos jardins.
Contudo, este é também um local emblemático da história de Portugal, pois junto a uma das suas fontes ocorreu um crime que pôs fim a uma história de amor do século XIV, entre o herdeiro do trono, D. Pedro, e uma aia nobre castelhana, Inês de Castro.
MUITO MAIS DO QUE UM HOTEL DE LUXO
Atualmente, o Hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra, é um requintado Hotel & Spa, rodeado por luxuriante vegetação. Em seu redor, existem jardins botânicos desenhados por Miguel Osório Cabral de Castro, no século XIX.
Com efeito, aqui encontramos diversas espécies invulgares. Por exemplo, é o caso da árvore da borracha, canforeiras ou dos plátanos, palmeiras e até sequóias, entre muitas outras.
No Booking, o Hotel Quinta das Lágrimas está classificado como «soberbo». E, de facto, e não é para menos.
Neste espaço, o ambiente é romântico e elitista, e o serviço de elevada qualidade. A par disso, o Spa e as experiências gastronómicas requintadas também garantem aos visitantes uma experiência simplesmente memorável.
No entanto, esta unidade de 5 estrelas é muito mais do que um hotel.
Situada na Estrada da Várzea, na margem do Mondego, freguesia de Santa Clara, a Quinta das Lágrimas é um palácio do século XIX, rodeado por uma propriedade cuja fama é muito mais antiga. Afinal, este foi o palco do amor proibido entre D. Pedro e Inês de Castro, um amor conhecido por todos os portugueses.
A QUINTA DAS LÁGRIMAS E A FONTE DOS AMORES
De origem remota, sabe-se que a Quinta das Lágrimas pertenceu à Universidade e a uma ordem religiosa, e foi também uma coutada onde caçava a família real.
A partir de 1730, passou a pertencer à família Osório Cabral de Castro, que aqui construiu um palácio. No entanto, boa parte desse edifício ardeu em 1879. O proprietário, Miguel Osório Cabral de Castro, viria a reconstrui-lo no final do século XIX, aplicando o estilo revivalista com que contactara nas suas viagens pela Europa.
Nestes terrenos, brotam diversas fontes de água límpida. Uma delas é a famosa Fonte dos Amores, também conhecida como Fonte das Lágrimas, cuja origem lendária é atribuída às lágrimas aqui derramadas por Inês de Castro. Diz o povo que as lages da fonte, avermelhadas, terão sido tingidas pelo sangue de Inês que ali correu.
O AMOR CLANDESTINO DE D. PEDRO E INÊS DE CASTRO
O amor trágico entre Pedro e Inês passou-se no século XIV. O infante D. Pedro era filho do rei D. Afonso IV. Herdeiro do trono, D. Pedro casou com D. Constança Manuel, uma infanta oriunda de Castela. No entanto. D. Pedro perdeu-se de amores por uma das aias que a esposa troxera consigo, Inês de Castro, com quem viria a ter três filhos.
Ao que consta, Inês de Castro era uma mulher lindíssima, a quem chamavam «colo de garça». Pertencia à mais alta nobreza de Castela e, na verdade, era prima de D. Pedro, pois ambos tinham um antepassado comum: o rei de Castela, que era avô de D. Pedro e bisavô de Inês.
Com a esposa, D. Constança, D. Pedro teria três filhos: D. Maria , D. Luís e D. Fernando, futuro rei de Portugal. Ao aperceber-se da ligação entre o marido e a aia, D. Constança convidou Inês de Castro para ser madrinha do seu segundo filho, D. Luís. Pretendia com isso que a ligação carnal entre ambos fosse condenada pelo direito canónico, por serem compadres. No entanto, quis o destino que a criança morresse uma semana depois.
Apaixonados, os amantes encontravam-se em segredo na Quinta das Lágrimas. Ainda não existia o palácio, apenas vegetação e fontes de água corrente.
PORQUÊ MANDAR ASSASSINAR INÊS DE CASTRO?
Embora na altura as relações fora do matrimónio fossem comuns e livres de qualquer censura, D. Afonso IV reprovava a ligação do filho com Inês de Castro. Quais seriam as verdadeiras razões de tal antagonismo? A explicação pode estar num ódio antigo e em questões políticas que ameaçavam o reino de Portugal.
Inês era filha de D. Pedro Fernandez de Castro, um dos homens mais poderosos do reino de Castela, mas este morreu cedo, em Marrocos. Em consequência, Inês teve como pai adotivo Afonso Sanches, senhor do Castelo de Albuquerque, onde cresceu. Ora, este Afonso Sanches, o pai adotivo de Inês de Castro, era, nada mais, nada menos, do que o irmão mais odiado do rei de Portugal.
Embora bastardo, Afonso Sanches era o preferido do pai de ambos, o rei D. Dinis, que o chegou a nomear mordomo-mor do reino, o mais alto cargo da nação. No entanto, Afonso, o filho mais velho, nascido da ligação de D. Dinis com a legítima esposa, Isabel de Aragão, revoltou-se contra o pai e o irmão. Houve uma guerra civil, o povo estava ao lado do legítimo herdeiro. Afonso quis matar o irmão, e perseguiu-o para fora do país. Afonso Sanches refugiu-se então em Albuquerque, e Afonso IV acabaria por subir ao trono de Portugal.
O REENCONTRO DOS AMANTES
Ora, quando o filho, D. Pedro, se enamorou de Inês de Castro, o rei de Portugal não viu a ligação com bons olhos. Mais do que isso, um irmão de Inês liderava uma revolta em Espanha contra o rei, e tentara aliciar o herdeiro do trono português para a liderar e, em caso de sucesso, ser também senhor do reino de Castela. Afonso IV interveio, proibindo que o filho se envolvesse, e em 1344 enviou Inês de volta para o castelo de Albuquerque, em Espanha, de onde tinha vindo.
Perante estes acontecimentos, D. Pedro era ainda infante e teve de acatar a ordem do pai. No entanto, o destino viria a intervir quando, mais tarde, em 1345 ou 1349, Dona Constança Manuel morre após o nascimento da sua terceira criança.
Em consequência, D. Pedro, já viúvo, manda buscar Inês de Castro a Espanha e a partir daí, não só retomou a ligação romântica que já tinham, como passou a viver maritalmente com ela, nos Paços da Rainha, junto ao Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra.
No entanto, o rei e a nobreza não viam com bons olhos esta ligação, pois receavam a influência da família Castro junto do futuro rei de Portugal, caso a castelhana viesse a ser rainha. Então, a 7 de janeiro de 1355, o rei D. Afonso IV mandou assassinar a mulher amada pelo filho, mãe de três dos seus netos. Com apenas 30 anos, Inês de Castro foi degolada junto àquela que ficaria conhecida como a Fonte dos Amores, mas também a Fonte das Lágrimas.
A DAMA QUE, DEPOIS DE MORTA, FOI RAINHA
D. Pedro estava numa caçada quando a tragédia aconteceu, e ficou louco de fúria. Nunca perdoou o pai e, quando finalmente subiu ao trono, em 1357, perseguiu os assassinos de Inês e executou a sua vingança nos Paços de Santarém. Com os criminosos amarrados a um poste, mandou o carrasco arrancar-lhes o coração – a um pelo peito, e ao outro pelas costas. Em seguida, partiu-os.
Apesar de a ter perdido, o novo rei não esqueceu a sua amada e, em 1360, assumiu publicamente que tinha casado em segredo com ela, legitimando assim os filhos em comum. Conta-se ainda que mandou desenterrar Inês de Castro e sentá-la no trono com a coroa, obrigando os nobres a beijar-lhe a mão.
D. Pedro fez ainda com que os restos mortais de Inês de Castro fossem trasladados para um sumptuoso túmulo no mosteiro de Alcobaça, onde assenta a sua estátua jacente. Na cabeça, Inês tem a coroa de rainha. Ainda hoje ali descansa, tendo junto a si o túmulo de D. Pedro, que não voltou a casar e que, na morte, se lhe juntou.
A TRAGÉDIA DE PEDRO E INÊS N’OS LUSÍADAS
Luís Vaz de Camões foi o único português que cantou os feitos do povo lusitano em verso, num poema épico, e por isso a obra é única e emblemática.
No seu relato poético, incluiu a tragédia de Inês de Castro, um dos mais impressionantes dramas portugueses. Mais do que isso, n’Os Lusíadas, Camões dedica a este episódio trágico da história de Portugal nada menos do que dezoito estrofes (!).
Mais do dedicou à batalha de Aljubarrota por exemplo, uma das mais decisivas para a nação. Certamente tocado pelo drama, o poeta inicia o relato com a seguinte estrofe:
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo o doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas,
O nome que no peito escrito tinhas.
O nome que Inês trazia escrito no peito era o de Pedro e, tranquila junto à fonte, não adivinhava o que o futuro lhe traria. Mais à frente, noutra estrofe, o poeta refere-se ao trágico episódio como «o caso triste, e digno de memória, que do sepulcro os homens desenterra, aconteceu da mísera e mesquinha, que depois de ser morta foi rainha.»
O contributo de Wellington para preservar a memória de Pedro e Inês
Junto à Fonte dos Amores, encontra-se uma lage onde se pode ler uma das estrofes que Luís Vaz de Camões dedicou ao caso de Pedro e Inês, mais precisamente a estrofe 135 do canto III dos Lusíadas.
As filhas do Mondego, a morte escura
Longo tempo chorando memoraram
E por memória eterna em fonte pura
As Lágrimas choradas transformaram
O nome lhe puseram que ainda dura
Dos amores de Inês que ali passaram
Vede que fresca fonte rega as flores
Que as Lágrimas são água e o nome amores
Esta homenagem, que perpetua o que aconteceu naquele local, partiu da iniciativa de um estrangeiro que se deixou impressionar pela história. O responsável pela lápide com a estrofe d’Os Lusíadas foi, nada mais nada menos, do que Arthur Wellesley, o Duque de Wellington, que a dada altura ficou hospedado na Quinta das Lágrimas.
A sua presença em Portugal devia-se ao comando das tropas britânicas na defesa do nosso país, como aliadas contras as invasões francesas, no século XIX.
Entre outros feitos militares, o Duque de Wellington foi responsável pela vitória portuguesa na batalha do Buçaco, em 1810, e pela emblemática vitória na batalha de Waterloo, em 1815.
Arthur Wellesley faleceu em 1852 e foi sepultado, com as devidas honras, na Catedral de São Paulo, em Londres.
Em Coimbra, na Fonte das Lágrimas, deixou uma marca que ainda hoje lembra aos visitantes o amor e a tragédia de D. Pedro e D Inês.